Lição 10 – Revista Betel – Jacó sofre perdas imprevisíveis na família

Fonte: EBD Areia Branca

Texto Áureo

“E enviaram a túnica de várias cores, mandando levá-la a seu pai, e disseram: Temos achado esta túnica; conhece agora se esta será ou não a túnica de teu filho”. Gn 37.32

Verdade Aplicada

Para compreendermos o valor da âncora, é preciso enfrentar uma tempestade.

Objetivos da Lição

?      Mostrar que Deus não se es­quece das suas promessas;

?      Demonstrar que a confiança em Deus nos faz avançar nos momentos de adversidades; e

?      Ensinar que a colheita é o resultado do que plantamos.

Textos de Referência

Gn 35.27 E Jacó veio a Isaque, seu pai, a Manre, a Quiriate-Arba (que é Hebrom), onde peregrinaram Abraão e Isaque.

Gn 37.28 Passando, pois, os mercadores midianitas, tira­ram, e alçaram a José da cova, e venderam José por vinte mo­edas de prata aos ismaelitas, os quais levaram José ao Egito.

Gn 37.31 Então, tomaram a túnica de José, e mataram um cabrito, e tingiram a túnica no sangue.

Gn 37.32 E enviaram a túnica de várias cores, e fizeram levá-la a seu pai, e disseram: Temos achado esta túnica; conhece agora se esta será ou não a tú­nica de teu filho.

Gn 37.33 E conheceu-a e disse: É a túnica de meu filho; uma besta-fera o comeu, certamente foi despedaçado José.

Gn 37.34 Então, Jacó rasgou as suas vestes, e pôs pano de saco sobre os seus lombos, e lamen­tou a seu filho muitos dias.

Gn 37.35 E levantaram-se todos os seus filhos e todas as suas filhas, para o consolarem;

Ajuda Versículos

Ajuda 1

José Vendido como Escravo (Gn 37.12-28)

 

A noite antecede ao dia, e assim também José não poderia evitar seu exílio. Seus traiçoeiros irmãos só não se tornaram fratricidas por intervenção do mais misericordioso, Rúben (vs. 21). Em vez de ser morto, José foi vendido como escravo, tal como Jacó, antes dele, por causa da ira de Esaú, tinha sido forçado a exilar-se junto a Labão, em Padã-Arã. Assim, a história estava-se repetindo. A providência de Deus cuidou de ambos os casos. Grandes vitórias esperavam por José — porém estas não ocorreriam de pronto, mas somente depois de muitos sofrimentos e vicissitudes boas e más.

 

37.12 Em Siquém. Apanha-nos de surpresa o fato de que Jacó tivesse enviado seus filhos de volta a Siquém, cena do rapto de Diná e da matança dos súditos de Hamor (Gn 34). As coisas devem ter-se acalmado consideravelmente para que ele tivesse tido a coragem de fazer tal coisa. Os críticos supõem certa deslocação histórica, pensando que a fonte infor­mativa da história, J, dizia que Jacó e sua família continuavam residindo ali, não sabendo de outras histórias que já o faziam estar em Hebrom.

 

Siquém ficava a cerca de oitenta quilômetros de Hebrom, e Dotã ficava mais vinte e quatro quilômetros para o norte (vs. 17). Portanto, de acordo com os padrões da época, estavam envolvidas consideráveis distâncias. Alguns estudio­sos opinam que parte da razão para os filhos de Jacó terem sido enviados a Siquém foi averiguar se o território (presumivelmente bom para pasto) oferecia segurança ou não.

 

As riquezas de Jacó são ilustradas no texto. Por qual razão ele teria procura­do terras de pastagem, distantes mais de cem quilômetros de onde estava, a menos que possuísse grandes rebanhos e precisasse de muito espaço?

 

37.13 Eis-me aqui. José estava disposto e pronto para ir em sua missão de miseri­córdia. Seus irmãos estavam ausentes, em Siquém. É provável que fizesse algum tempo que Jacó não recebia notícias da parte deles, e estivesse preocupado com o seu bem-estar. A José foi confiada então essa missão de averiguar como estavam as coisas. Isso armou o palco para uma história negra, de ódio e cruelda­de. Jacó não veria mais seu amado filho José por muitos anos, supondo, durante todo esse tempo, que José estivesse morto.

 

O lugar, Siquém, era perigoso, por causa dos incidentes descritos no capítulo trinta e quatro. E Jacó queria ter certeza de que os seus filhos não tinham sido envolvidos por algum dano, pelo que a missão de José se revestia de considerá­vel importância.

 

37.14 Os filhos e os rebanhos constituíam toda a riqueza de Jacó, ocupando toda a sua atenção. O bem-estar deles era da máxima importância para Jacó. Na vida de um homem, essas são as coisas mais importantes. Porém, havia uma falha fatal no paraíso de Jacó. Onze irmãos cultivavam o ódio em seu coração contra um irmão. Isso nos faz lembrar de como os irmãos de Jesus, por longo tempo, foram hostis a Ele.

 

É irônico que os filhos de José estivessem livres de perseguição dos habitan­tes de Siquém, por parte de quem tinham sido tão maltratados, ao passo que José, irmão deles, não estava seguro entre seus irmãos.

 

Diz o Targum de Jonathan: “Temo que os horeus tenham vindo e os tenham ferido, por haverem matado a Hamor e a Siquém, bem como aos habitantes daquela cidade”.

 

37.15 Não Estavam Mais em Siquém. José não os encontrou nas proximidades de Siquém, onde Jacó pensara que estariam. Mas um certo homem dali, com quem José se encontrou, sabia que eles se tinham ido para Dotã (vs. 17). Os escritores judeus consideram esse homem um anjo que estava com José para guiá-lo. Mas o texto não indica nada de incomum. O homem pode ter sido um viajante (conforme sugeriu Aben Ezra), ou, então, alguém que arava o campo. Fosse como fosse, José encontraria ajuda para as coisas mais insignificantes, como parte das bênçãos diárias de Deus.

 

37.16 Dize-me onde. José pediu, e foram-lhe dadas orientações. Coisa pequena, mas importante para o momento. Tudo fazia parte de uma missão mais ampla. Nossas missões envolvem coisas pequenas e coisas grandes.

 

37.17 Vamos a Dotã. No hebraico, essa palavra significa duas fontes ou festa dupla (aqui e em II Rs 6.13). Ficava cerca de noventa e sete quilômetros ao norte de Jerusalém e a cento e cinco quilômetros de Hebrom. Por ali passava uma rota de caravanas que ia da Síria ao Egito. A região era conhecida por sua excelente pastagem, e, naturalmente, esse fato atraíra até ali os irmãos de José. Essa cidade é deveras antiga, e muitas descobertas arqueológicas têm sido feitas ali. Até hoje, os pastores vêm do sul da Palestina àquela região a fim de dar água e pasto a seus rebanhos. O arqueólogo Free encontrou noventa rebanhos na estrada que vem de Jerusalém.

 

Começam Dificuldades Sérias. Finalmente, José encontrou-se com seus trai­çoeiros irmãos. Incidente tão corriqueiro em breve redundaria em uma tremenda aventura, com sua mistura de tristeza e alegria, derrota e triunfo.

 

José era um jovem diferente que atravessou o caminho de seus irmãos. Era diferente deles. E eles haveriam de puni-lo por causa disso. Com frequência, até mesmo em boas famílias, um filho que se destaque provoca a hostilidade de outros membros da família que não querem que ele cresça.

 

Os menos brilhantes podem desenvolver-se junto com os mais brilhantes; mas é mais fácil criticar e perseguir do que crescer, e, normalmente, as pessoas preferem o caminho da menor resistência. É tão possível a uma pessoa ser magnânima quanto ser maldosa; e ser maldosa concorda melhor com a natureza humana caída. É errado suprimir e distorcer uma personalidade por ser ela dife­rente. A perseguição, quase sempre, é produto de mentes inferiores. E mesmo quando não seja assim, será sempre produto de almas inferiores.

 

37.18 Conspiraram contra ele. Este versículo é um terror. José era tão odiado que o simples fato de o virem de longe deixou-os irados, o rancor fervendo em seus corações. Se o encontrassem em um elevador (em tempos modernos), tê-lo-iam ignorado. Se o vissem caminhando por uma rua, teriam atravessado a rua para o outro lado. Se o vissem apanhar um ônibus, teriam esperado por outro.

 

“Entraram em entendimento e traçaram os mais astuciosos métodos que foram capazes de imaginar de tirar-lhe a vida, mas ocultar o homicídio” (John Gill, in loc.).

 

37.19 Vem lá o tal sonhador! Isso eles disseram para lançarem José no ridículo, desprezando o dom espiritual que Faraó haveria de respeitar e pelo qual o Egito seria salvo de uma fome calamitosa. O profeta José não era honrado entre seus irmãos, tal como Jesus não foi respeitado entre os Seus (Mt 13.57). Quanto a essa e outras questões, José tipificava o Messias. No hebraico temos a expres­são “senhor dos sonhos”, uma frase escarninha em extremo. Eles tinham assassi­nado a muitos siquemitas para vingar a Diná, irmã deles (Gn 34.24-29), mas não consideravam o próprio irmão deles melhor do que os pagãos a quem tinham matado traiçoeiramente.

 

37.20 Matemo-lo… e diremos. Eles planejaram encobrir um homicídio com uma mentira. Ficamos boquiabertos diante do vil caráter dos irmãos de José, patriarcas de Israel. Somente a graça de Deus poderia insuflar alguma decência em tais indivíduos. Ver no Dicionário os artigos Homicídio e Mentir (Mentiroso). Foi de uma maneira extremamente trivial que eles planejaram quebrar a dois princípios que, posteriormente, fariam parte dos Dez Mandamentos. O relato é tão terrível, retratando com tão negras luzes o caráter daqueles homens, que alguns eruditos têm chegado a pensar que tudo não passa de uma lenda dramática, algo que realmente não pode ter acontecido. “Eles devem ter sido selvagens sem nenhum princípio!” (Adam Clarke, in loc.).

 

Numa destas cisternas. Escavações feitas para coletar a água da chuva, para efeitos agrícolas e para dessedentar os animais. Ver Jr 38.6. Os intérpre­tes judeus acusaram Simeão de ser o principal instigador do plano, supondo que por esse motivo José mandou deixá-lo amarrado na prisão, no Egito (Gn 42.24). Mas não há como averiguar se essa informação está ou não com a razão.

 

37.21 Rúben Faz Objeção. Rúben conseguiu convencer os outros a não executa­rem o plano homicida contra José. O vs. 22 mostra que Rúben tinha planejado resgatar José, voltando mais tarde à cisterna, a fim de libertá-lo dali. Portanto, aquele que aparentemente havia estuprado Bila (uma das concubinas de Jacó) pelo menos tinha algum princípio moral. Ver Gn 35.22. Judá também quis pou­par José, mas estava pensando mais em termos de dinheiro, e não em termos de misericórdia (vs. 26). Pelo menos, no caso de Rúben, houve um raio de luz que brilhou no quadro, em tudo mais, tenebroso. O caso de José ilustra a quais profundezas de depravação um homem é capaz de afundar-se.

 

Josefo pôs nos lábios de Rúben um longo e floreado discurso de defesa, ao explicar esta passagem. E, realmente, é quase certo que Rúben disse alguma coisa eloquente a seus irmãos, desviando do mal seus corações malignos.

 

37.22 Lançai-o nesta cisterna. Pela providência divina, esta estava seca, pois, se assim não fora, ter-se-ia afogado. Rúben estava pensando na tristeza avassaladora que Jacó sofreria, diante da morte de José. Tinha apenas dezessete anos e era o filho favorito de seu pai. Seu coração comoveu-se, e, então, apresentou um plano alternativo, que parecia decretar a morte de José (até onde os outros irmãos entenderiam a questão), mas daria a Rúben a oportunidade de reverter o curso das más ações dos irmãos de José. O trecho de Gn 42.21 dá-nos a patética mensagem de que José ficou angustiado e começou a implorar por sua vida, o que seus irmãos levaram tão pouco a sério. Eles estavam apanhados no vórtice de seus pecados. Kant baseou um argumento moral sobre a necessidade de recom­pensa ou de retribuição em favor da existência da alma e de sua sobrevivência diante da morte biológica. Em algum ponto, cada homem precisa encontrar-se consigo mesmo, quanto ao bem e quanto ao mal. Cada indivíduo deverá receber recompensa ou punição pelo que tiver praticado, pois, se assim não fora, então viveríamos em um mundo dominado pelo caos. Vendo que nem a recompensa nem o juízo são devidamente aplicados nesta esfera terrena, então deve haver uma “vida além” onde as contas serão devidamente pagas.

 

Talvez Rúben tenha pensado que poderia pagar algo da dívida de seu peca­do, que cometera contra seu pai, contrabalançando o seu erro mediante um ato de bondade que seria vital para ele. Seja como for, o arrependimento deve incluir, sempre que possível, atos de reparação.

 

37.23 Uma Maldade Ansiosa por Manifestar-se. Os irmãos de José não hesitaram. Agarraram-no, tiraram-lhe a túnica preciosa, lançaram-no na cisterna e, ato contí­nuo, de corações insensíveis, sentaram-se para comer (vs. 25). Há pessoas más que são tão destituídas de consciência, que ficamos perplexos. Alguns dos mais graves pecados são praticados de maneira a mais trivial e insensível.

 

…para que sejamos livres dos homens perversos e maus; porque a fé não é de todos” (II Ts 3.2).

 

37.24 Cisterna, vazia, sem água. Isso por providência divina. As circunstâncias eram dificílimas. Talvez José tenha sido deixado totalmente despido, conforme pensavam alguns intérpretes judeus. Como quer que tenha sido, sua situação era desesperadora.

 

A Experiência na Cisterna. Todo homem, em algum tempo em sua vida e, provavelmente, por muitas vezes, tem a sua experiência na cisterna. Os peca­dos acham-se no abismo da degradação. Até homens espirituais sofrem rever­sões sérias que os deixam como que em uma cisterna. “Moral e espiritualmen­te… a alma do homem está em um buraco. A percepção do fato pode ocorrer como um choque abrupto. José, em um momento, caminhava sob a luz do dia, em sua túnica multicolorida; no momento seguinte, estava em uma cisterna, em meio à escuridão. Em um momento, parecia de nada precisar; no momento seguinte, já precisava de tudo. Assim acontece à alma humana. Da auto-suficiência, pode ser imersa em total impotência e desesperadora necessidade de Deus. No entanto, no pior momento de José, havia forças insuspeitas que se movimentavam para libertá-lo. . . isso vemos no Salmo 40.2 (Walter Russell Bowie, in loc.):

 

Tirou-me de um poço de perdição, dum tremedal de lama; colocou-me os pés sobre uma rocha e me firmou os passos.

 

O Targum de Jonathan diz que havia serpentes e escorpiões no fundo da cisterna, e Jarchi salientou que ali não havia água. Nesse caso, José morreria de sede, se alguma outra coisa não o matasse primeiro.

 

37.25 Sentando-se para comer pão. Aqueles homens ímpios e desarrazoados, embora ouvindo os gritos de desespero de José (Gn 42.21), foram capazes de ficar sentados para comer pão. José não merecia ser posto na cisterna. Havia bondade essencial em sua pessoa, e, além disso, tinha uma grande missão a cumprir fora da cisterna. Mas o propósito de Deus atuava para tirá-lo da cisterna. E enquanto os seus irmãos comiam, naquele momento se aproximava uma cara­vana de ismaelitas, que, vindos de Gileade, se encaminhavam para o Egito. Isso livraria José de sua aflição momentânea. Esse foi o primeiro passo no desenvolvi­mento do plano maior. O propósito de Deus opera passo a passo, cada vez aproximando-se mais do seu cumprimento. José estava na trilha certa.

 

Dotã ficava localizada na rota das caravanas, por onde produtos vindos da Índia e da Ásia Ocidental eram levados ao Egito. “Visto que o lado oriental de Canaã estava coberto pelo grande deserto da Arábia, as caravanas tinham de viajar em uma direção sudoeste até que, tendo vadeado o rio Eufrates, atraves­sassem de Tadmor a Gileade. Dali, a rota tomada conduzia os caravaneiros para além do Jordão, em Beisã, e daí, seguindo para o sul, avançavam até o Egito” (Ellicott, in loc).

 

Ismaelitas. No vs. 36, eles são chamados “midianitas”. Os Targuns e a versão siríaca dizem “árabes”. Midiã era filho de Abraão e Quetura, e Ismael era filho de Abraão e Hagar. Eruditos antigos e modernos têm lutado com essas variantes, e alguns têm mesmo suposto que José foi vendido por mais de uma vez — de seus irmãos para os ismaelitas; dos ismaelitas para os midianitas — antes de ter chegado ao Egito. Por outra parte, havia uma mistura de povos, apesar de suas origens distintas, e provavelmente o autor sagrado não foi cuida­doso com o uso de adjetivos pátrios.

 

Arômatas, bálsamo e mirra. Quanto aos arômatas, está em pauta o tragacanto ou estoraque (Gn 30.37), ou seja, especiarias. Mas os estudiosos não concor­dam quanto à identificação exata dos itens envolvidos.

 

37.26 Judá Pensou em Termos de Dinheiro. De que adiantaria a morte insensata de seu meio-irmão? Ele queria ganhar algum dinheiro, e a aproximação da caravana dava-lhe oportunidade de negociar. Não estava interessado em mostrar dó. Nem aventou: “Sejamos misericordiosos com José”. Mas sugeriu: “Vamos ganhar algum dinheiro com José”. E assim, se José escapasse da morte, seria forçado, devido às mentiras deles, a sofrer a tristeza por uma pseudomorte, enfrentando anos de profunda tristeza. Mas que lhes importava isso? Eles dividiriam as vinte peças de prata (vs. 28). Essa era a sua consolação, enquanto José entraria em uma situação deveras desesperadora. Assim, José foi livrado de um grande mal, apenas para sofrer mal ainda maior. Mas Deus estava com ele, em todas as suas experiências.

 

Nada acontece por mero acaso. Também não foi por coincidência que surgiu no horizonte a caravana, em um momento tão oportuno. Uma “coincidência” bem colocada pode ser uma pequena piada da providência divina que, através disso, diz: “Surpresa! Vê! Estou contigo!”. Há poder por trás da providência divina, mas esse poder não se faz conspícuo, e somos apanhados de surpresa.

 

37.27 Pois é nosso irmão. Por essa razão, eles usaram de um pouco de miseri­córdia, mas de olho no dinheiro que ganhariam com a venda de José. Alegraram-se diante da alternativa que os poupou de praticarem o maior mal, e que também lhes daria um lucro pecuniário. Parecia-lhes uma perfeita (má) solução.

 

Operação Divina. Para os irmãos de José, aquele ato era, definitivamente, o fim do sonhador e de seus sonhos arrogantes. Na verdade, porém, tudo aquilo era apenas parte necessária do cumprimento de seus sonhos precognitivos. O plano não poderia dar certo se José não chegasse ao Egito. E assim, o que eles tinham planejado para o mal, Deus estava fazendo redundar para o bem, exatamente o que José disse muitos anos mais tarde (Gn 50.20). Esse bem operaria em favor não somente de José, de seus irmãos e da vindoura nação de Israel, mas igual­mente de muita gente que seria beneficiada pela presença de José no Egito, pois seriam todos salvos de morrer por inanição.

 

37.28 Vinte siclos de prata. Siclo era um peso, e não uma moeda. Pesava cerca de 11,7 g. Multiplicando isso por vinte, temos pouco mais de duzentos e trinta gramas de prata. O trecho de Lv 27.5 mostra que esse era o valor de um escravo com menos de vinte anos de idade. Não há como calcular seu valor monetário, de acordo com padrões modernos. Jesus foi vendido por Judas Iscariotes por trinta moedas de prata (Mt 26.15). Portanto, José foi um tipo de Cristo, conforme se vê nas notas sobre o terceiro versículo deste capítulo.

 

37.29 Volta Rúben à Cisterna Vazia. Não nos é dito por que Rúben não estava comendo com os outros irmãos, nem para onde tinha ido, nem porque agora reaparecia na cena, somente para encontrar vazia a cisterna. Ele tinha planejado retirar José da cisterna e devolvê-lo ao seu pai (vs. 22). Mas seu plano fracassou; e assim, consternado, rasgou suas vestes, um antigo símbolo oriental de profunda consternação, tristeza ou ira. Os intérpretes judeus dizem que Rúben se havia separado dos demais, tinha ido até um monte, e ali estivera esperando que os irmãos se fossem, para que viesse secretamente resgatar a José. Rúben rasgara suas vestes, angustiado. Jacó faria a mesma coisa (vs. 34). Mas um Novo Dia haveria de raiar, a despeito da escuridão daquela noite.

 

37.30 Não está lá o menino. Teria ele desaparecido? Estaria morto? Agora, que poderia fazer Rúben? Suas perguntas refletiam sua consternação e perplexidade. Admiramo-nos diante do coração calejado de seus irmãos. Mas assim funcionavam as antigas mentes selvagens. Lemos as obras de Homero, a llíada e a Odisséia, e maravilhamo-nos diante do poder e da graça de sua literatura. De fato, tais obras são da mais fina arte poética. Contudo, o que elas refletem? Matanças e mais matanças, golpes de espada sem nenhuma misericórdia. E, então, indagamos se a cena moderna é melhor do que isso. Os homens agora liquidam grandes contingen­tes populacionais, e poucos sentem alguma repulsa ou remorso. Os nossos heróis continuam sendo os que mais matam, e a ciência devota-se a aprimorar os meios de matança. Davi foi chamado homem segundo o coração de Deus, e, no entanto, houve ocasiões em que mostrou ser um matador insensato e sem dó. Calvino iniciou uma denominação cristã, mas tornou-se culpado de muitos homicídios, banimentos e aprisionamentos dos que discordavam de sua doutrina.

 

Rúben era o irmão mais velho. Jacó haveria de reputá-lo responsável. Ele já havia cometido um grave erro ao forçar Bila, concubina de Jacó. Agora, essa calamidade seria adicionada à outra. No entanto, acima dos resultados que ele temia, Rúben sentia-se genuinamente devastado, diante da perda de José, ao qual chamou de menino, embora já tivesse dezessete anos de idade.

 

37.31 A Fraude. José fora levado pelos ismaelitas. Mas agora era preciso fingir uma razão para a sua ausência. A túnica preciosa de José foi manchada com o sangue de um bode. Agindo como animais, culparam um animal pela pseudomorte.

 

Eles praticavam maldade após maldade, em uma produção interminável. Um erro era coberto por outro. Um pecado acaba criando uma cadeia de pecados. Eles tinham cometido um crime contra José, e agora cometeriam um crime contra Jacó. Estavam envenenando seu relacionamento com seu próprio pai; e assim violaram sua posição de filhos.

 

“Maimônides pensava que uma das razões por que bodes por tantas vezes eram abatidos e usados como ofertas pelo pecado, sob a lei levítica, era relembrar os israelitas desse grande pecado cometido pelos seus patriarcas” (Ellicott, in loc.). Os Targuns de Jonathan e Jarchi observaram que o sangue de um bode é o mais parecido com o sangue humano, pelo que a fraude seria extremamente convincente em sua aplicação.

 

37.32 A túnica talar tornou-se um emblema de ludibrio e de tristeza. Jacó tinha presenteado José com aquela túnica especial, como sinal de seu amor e favorecimento. Agora lhe era devolvida, pelos traiçoeiros irmãos de José, a fim de lhe partir o coração. E o ludibrio prosseguiu, quando eles deram a entender que talvez a túnica pertencesse a José. Forçaram Jacó a identificá-la! “A mentira deles, uma vez pespegada, contaminou todas as relações dentro da família” (Walter Russell Bowie, in loc). “Quanta deliberada crueldade para torturar os sentimentos do idoso pai, e assim esmagar a sua alma!” (Adam Clarke, in loc.). Lograram êxito, mas esse pecaminoso êxito haveria de enredá-los algum dia. Nem todo sucesso é bem-sucedido. Há supostos sucessos que são o mais doloroso tipo de fracasso. Platão disse que a pior coisa que pode suceder a um homem é que ele pratique o mal, mas nada sofra por isso. Se isso suceder, a alma desse homem aprenderá a tornar-se habitualmente corrupta.

 

37.33 É a túnica de meu filho. O coração do pai se partiu, e assim, em ato reflexo, Jacó rasgou suas vestes. A túnica preciosa, seu presente especial, tornou-se mensageira de agonia. Somos levados a relembrar a túnica inconsútil de Jesus, que se tornou objeto de um jogo, para se saber com qual soldado romano ela ficaria (Jo 19.23,24). Ambas as vestes tornaram-se emblemas de tristeza e de aparente derrota. “Assim como a túnica estava rasgada, assim também deve estar despedaçado o corpo de José, meu filho amado! E assim pensando, Jacó rasgou suas vestes” (Adam Clarke, in loc.).

 

“. . .imaginemos como, com o coração pulsando forte, com os membros trêmulos, com as mãos contorcendo-se, com os olhos vertendo lágrimas e com a voz daudicante, ele [Jacó] deve ter proferido essas palavras” (John Gill, in loc.).

 

37.34 Jacó rasgou as suas vestes. Tal como Rúben tinha feito, e pela mesma razão (vs. 29).

 

se cingiu de pano-saco. Em lugar de suas vestes usuais, vestiu-se de uma roupa grosseira, símbolo apropriado de sua tristeza e consternação. Provavelmente estão em pauta peles de animais. Ver também Gn 44.12; Jó 1.20 e 16.15.

 

Por muitos dias. Tantos, que em muito ultrapassaram o período usual de luto. Jarchi falava em vinte e dois anos, até que também desceu ao Egito, e ali encontrou-se com José, vivo!

 

O trecho de Gn 45.26-28 nos dá alguma ideia da intensa tristeza que Jacó sofreu por causa da questão. Somente ao tomar conhecimento de que José estava vivo, foi que “reviveu-se lhe o espírito” (Gn 45.27).

 

37.35 Reúne-se a Família de Jacó. Procuraram consolar a Jacó, mas foi tudo inútil. Somente o tempo pode curar certas tristezas. Note-se aqui o plural, todas as suas filhas. Sem dúvida, havia ao menos duas. E Jacó deve ter tido várias filhas, embora somente Diná seja mencionada no livro. O Targum de Jonathan chama essas mulheres de esposas de seus filhos, mas não seria nada incomum se não tivessem sido mencionadas filhas.

 

Sepultura. No hebraico, sheol (que significa tanto sepultura quanto o “hades” do Novo Testamento). Mas não fica claro o que Jacó quis dizer, pois não se sabe até que ponto tinha evoluído a doutrina do sheol, nos dias de Jacó. Nos tempos mais primitivos, a teologia dos hebreus não incluía crença na alma imaterial e imortal. O Pacto Abraâmico é repetido por cerca de doze vezes no Antigo Testamento, sem nunca fazer promessa de vida eterna no pós-túmulo. Quando o sheol veio a significar algo além da sepultura, indicava uma dimensão de sombras na qual havia uma quase não-existência, em que as sombras de homens (e não almas reais e inteligentes) flutuariam sem rumo. Essa doutrina era paralela à nossa teoria dos fantasmas, em contraste com os espíritos.

 

Com o tempo, porém, o sheol passou a ser concebido como o lugar das almas desencarnadas, boas e más. Esse lugar teria duas divisões, uma para as almas boas e outra para as almas más. O sheol seria uma espécie de gigantesca caverna subterrânea.

 

Jacó, pois, parece não ter dado a entender mais do que o fato de que, algum dia, ao morrer, seguiria a José à sepultura (o que corresponde à interpre­tação de nossa versão portuguesa). Ou ele pode ter dado a entender que, à semelhança de José, ele iria para a dimensão das sombras, onde as almas levavam uma vida de quase não-existência. Todavia, ele pode ter querido dizer que se encontraria com José no lado bom do “sheol”, para onde vão verdadei­ras almas humanas. Mas o livro de Gênesis nunca nos fornece um conceito claro a respeito, não sendo provável que seja isso que está em pauta neste texto. Mas os intérpretes que cristianizam o texto dizem-nos que isso é o que está em pauta aqui.

 

37.36 Os midianitas. Eles são chamados ismaelitas no vs. 25. Talvez um adjetivo pátrio pudesse ser usado intercambiavelmente com o outro, visto que havia misturas raciais. Ou, então, “ismaelitas” fosse um termo genérico para indicar as nações de vida nôma­de no deserto. Ou, então, na opinião de alguns (embora com menores probabili­dades), os ismaelitas tenham revendido José para os midianitas.

 

Potifar. No egípcio, esse nome é uma forma contraída de Potífera, que signifi­ca “aquele a quem Rá [o deus sol] deu”. Gn 39.1-20. Ele era um oficial militar de Faraó. Os irmãos de José, filho de Jacó, tinham-no vendido para ser escravo. E José terminou ficando na casa de Potifar (sem dúvida, por ter sido comprado por ele). Ali, José mostrou ser um jovem dotado de honestidade, habilidade e ambição para melhorar. Foi assim que Potifar acabou fazendo dele o mordomo de sua casa, entregando-lhe grandes responsabilidades. Porém, a esposa de Potifar voltou os olhos para aquele notável jovem, e, em várias oportunidades, tentou seduzi-lo sexu­almente. Mas José, sendo jovem temente a Deus, resistiu às tentativas. Despreza­da, ela acusou-o de tentar fazer exatamente o que ela havia tentado. Parece que Potifar acreditou nela; ou então, pelo menos, querendo manter a tranquilidade doméstica, lançou José na prisão. A história é narrada no capítulo trinta e nove do Gênesis. Isso aconteceu por volta de 1890 A. C. E nada mais é dito acerca de Potifar na Bíblia.

 

Na prisão, o carcereiro também reconheceu o valor de José, e terminou por entregar-lhe responsabilidades (Gn 40.3,4). Alguns estudiosos pensam que o carcereiro era o mesmo Potifar, mas a maioria dos eruditos rejeita a ideia.

 

Bibliografia R. N. Champlin


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